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Pelos óculos escuros de Dario Argento

Reza a lenda que após uma sessão de um filme de Dario Argento, Hitchcock teria dito que “esse italiano começava a preocupá-lo”. De fato, há muitas semelhanças entre o estilo de um e de outro, principalmente no sentimento de suspense e os planos voyeurs.

A diferença reside no choque gráfico do italiano, com muito mais sangue que o veterano britânico, além de explorar mais a nudez dos corpos femininos com muita ousadia. Parte disso vem da censura, ausente no cinema de Argento, além da influência do estilo giallo, movimento cinematográfico que ele ajudou a criar. Por último, o maior ponto de ruptura entre os dois é que em Argento sempre há um elemento sobrenatural, se não explícito, implícito, como no caso de seu novo filme em questão.

Occhiali Neri começa com planos estilizados de uma jovem mulher que conduz sem destino. Intrigada por uma comoção pública em torno de um eclipse, estaciona para ver o fenômeno. Precisa colocar óculos escuros, já em referência ao título. Cães ladram enquanto a lua engole o sol. Um pai de família explica à sua filha: “os povos antigos temiam o eclipse assim como os animais, pensavam que seria o fim do mundo”. 

Essa introdução mística é essencial para a atmosfera que Argento pretende criar. Aqui acompanhamos a história de uma prostituta, Diana, interpretada pela actriz italiana, e outrora modelo, Ilenia Pastorelli. Uma mulher respondona que sabe se defender sozinha, seja contra abusos de clientes ou de policiais. Uma colega de profissão, não tão forte, é assassinada em uma cena que evoca a última de Profondo Rosso.

Eventualmente perseguida por uma van branca, Diana se envolve num acidente que custa sua visão e a vida de um casal chinês. O casal tem um filho, Chin, com quem Diana passa a manter uma relação de cumplicidade. A amizade entre os dois é similar à do cego com sua neta em O Gato das Sete Vidas. Em determinado momento, ele pergunta com que ela trabalha. Sua resposta: “relações públicas, sessões de psicologia, esse tipo de coisa”. 

Já fazia um tempo que nosso mestre do horror não criava uma narrativa tão competente. Muitos acham que a exploração do corpo feminino nos filmes de Dario Argento são evidência de um machismo do diretor. Diana aparece quase sempre com roupas curtas, exibindo seus seios e pernas longas. Quem não gosta disso, sentirá provavelmente muito desconforto ao ver esse filme.

@ uraniapictures.com
Após longo hiato, Dario Argento, volta às suas raízes

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Seus melhores filmes trazem sempre um tom de conto de fadas macabro. Com esse, não é diferente. Suas personagens são movidas pela emoção, proveniente dos vermelhos profundos da posta em cena e das situações à flor da pele com que precisam lidar. Assim, cometem atos irracionais, o que não é a mesma coisa que atos estúpidos (como é de hábito nos blockbusters generalizados do horror).

O filme é melhor aproveitado quando o seguimos segundo seu tom de fábula. Ilenia Pastorelli, como Diana, faz gestos exagerados, quase caricaturais. O artifício é um dos principais signos do conto. O seu clímax, ambientado em um bosque encantado, comprova que Dario volta ao espírito antigo após um longo hiato em sua carreira. A montagem subjetiva, os planos expressivos, o uso do POV e a música techno estão entre suas principais qualidades presentes em Occhiali Neri.

Chico Barbosa

[Foto em destaque: Gianluca Giugliarelli, Ilenia Pastorelli, Occhiali neri – © Urania Pictures – GetAway Films]