“What I’m trying to do here is to celebrate the wonder of the imagery.”
Werner Herzog
Ainda antes da viragem documental definitiva de Werner Herzog com o filme Grizzly Man (2005), o fascínio do realizador por acontecimentos vulcânicos mostra-se, pela primeira vez, em 1976, com La Soufrière. Desde então, Herzog tem perseguido o prenúncio do factum da morte que ascende ciclicamente do núcleo do subterrâneo para o estrato material do visível. Poder estar diante da grandiosidade de uma catástrofe vulcânica que outra coisa é que não estar face a face com uma experiência de mergulho no empírico da transcendência?
Não é de espantar a admiração de Herzog por Katia e Maurice Krafft, dois vulcanólogos franceses, cujo amor um pelo outro andou de mãos dadas com o amor pelos vulcões até ao dia dos seus desaparecimentos. Como o próprio realizador anuncia no começo de The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft, o filme não trata de uma biografia do casal, no sentido descritivo, mas antes do advento do seu olhar cinematográfico a partir do que permanecia por ver. “Escrito no fogo”, como bem descreveu Tomás Baltazar, na apresentação do filme numa sessão única do DocLisboa’22, o mais recente triunfo no documentário de Herzog tem como intenção a celebração da magnificência das imagens e do seu potencial assombroso.
Nenhuma ou quase nenhuma das imagens de The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft foram filmadas por Herzog. Pertencentes ao espólio visual de Katia e Maurice, elas são testemunho de dois cientistas que, ao procurar registar um objecto de estudo para efeitos de investigação, se tornam cineastas, sem o saber ou pretender. À medida que o casal percorre o mundo, o que começa por ser imagens imponentes de erupções vulcânicas devém um olhar “mais humanista”, como o designa Herzog, dirigindo-se para os rostos das vítimas das “garras do diabo”, que estas catástrofes personificam na tragédia. Quem, para além de Herzog, que desejaria poder ter acompanhado Maurice e Katia no seu peculiar ofício, poderia dar a estas imagens a forma de um filme que fizesse justiça ao temor e tremor que delas emana? Tal como numa missa de homenagem aos falecidos, Herzog pede de empréstimo ao Requiem de Gabriel Fauré a atmosfera fúnebre, um tanto romântica, ainda que sempre penosa, para erigir, através da montagem, uma peregrinação estática, uma catedral de fogo e “pedras que caem do céu” a que deu o título The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft.
Katia e Maurice morreram a 3 de Junho de 1991, junto do Monte Unzen, no Japão, consumidos pelo fluxo piroclástico de um vulcão que escondeu as suas intenções até os surpreender com a cesura inescapável da morte. The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft é o seu mais majestoso legado e Werner Herzog o seu remanescente herdeiro.
Cátia Rodrigues
[Foto em destaque: The Fire Within: Requiem for Katia and Maurice Krafft, de Werner Herzog © DocLisboa]